As cartas que eu não mando...

25/03/2010

Quando tão pouco era quase tudo


O sol já se punha enquanto a bola rodava, pés descalços correndo a rua empoeirada. Divertir-se até o começo dos anos 2000 era nada menos que reunir a turma do bairro e ver o sol se pôr junto às mais simples brincadeiras: sem grandes tecnologias, vestindo roupas rasgadas, descobrindo sensações de um mundo real – o qual, mesmo que cheio de cortes e arranhões, parecia seguro e confortante.

Houve épocas em que estar perto de uma garota era algo tão mágico que, mesmo o tempo voando, podia-se sentir ser aquele momento eterno. Girar uma garrafa, poder beijar a menina que você gostava, era ser rei, sonhar acordado e demorar a dormir pensando naquele simples beijo.

Houve um tempo em que chutar uma pedra e perder uma unha não doíam tanto quanto furar uma bola. Neste tempo, árvores e capoeiras eram esconderijos, a vizinhança toda sabia que o breve silêncio seria quebrado pelos gritos e passadas largas da criançada que usava a noite para brincar de esconde-esconde.

Houve um tempo o qual conhecíamos nosso bairro, cada vizinho, cada centímetro de paralelepípedo era tocado: o prazer de descobrir e desbravar fazia de cada criança dona de seu próprio mundo
A velha árvore foi derrubada para a construção de um prédio. Os balanços de cipó foram cortados enquanto a estrada ganhou asfalto. Já não há mais mato, não há mais espaço. Casas ganharam muros altos, cercas eletrificadas. Durante a noite, não vemos mais os pais nas sacadas, dividindo o chimarrão, cuidando seus filhos brincarem.

Um mundo de sensações e aprendizagens substituídos. O futebol passou a ser jogado somente com as mãos, sua emoção se limitou a gráficos, botões que correm, passam e chutam. Conhecer alguém virou sinônimo de adicionar pessoas no orkut, MSN.

Trocam-se os amigos, as paixões, compra-se uma roupa nova mesmo que as velhas ainda sirvam. As meninas têm celulares e maquiagens, os meninos celulares e bonés bordados.

Amarga ironia falarmos que a internet nos possibilita conhecer o mundo quando mal conhecemos o bairro no qual crescemos e vivemos.

Essa nostalgia, velha mania de acharmos que nossas épocas eram melhores, é natural, talvez nem fossem. Porém, das novas tecnologias todos podem usufruir. Meu lamento está nas crianças de hoje em dia: essas nunca saberão o quanto o tão pouco um dia nos significou e o quanto este tão pouco nos faz falta.


Obrigada Senhor, por eu ter tido a minha infância quando o tão pouco era quase tudo!

PS: "Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais...

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